23 de outubro de 2012

Crítica | On The Road


“Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas pra viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam…”


Foi Jack Kerouac, com seu livro ‘On The Road’, que me mostrou o universo do beat, uma geração embalada pela batida agitada do jazz e a nostalgia do blues, que estava sempre querendo mais – loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos (trecho famoso do livro). Assim como Allen Ginsberg em seu polêmico livro O Uivo (1956), Kerouac consegue transmitir toda a inquietação da juventude norte-americana dos anos 50, que nada se parecia com o American Way of Life.

Essa liberação sexual, o uso de drogas alucinógenas na busca do autoconhecimento, a rejeição ao materialismo e ao capitalismo fortemente arraigado na cultura estadunidense, mudou a vida de muitas pessoas ilustres, como Jim Morrison, Johnny Depp (que sempre sonhou em interpretar Dean Moriarty, o protagonista de Kerouac), Bob Dylan, Francis Ford Coppola e o diretor brasileiro, Walter Salles.

A versão cinematográfica de ‘On The Road’ ficou por anos engavetada por Coppola, que escolheu Salles pessoalmente para dirigir o longa-metragem. O cineasta brasileiro é um exemplo de direção documental no estilo road movies, gênero que ele já utilizou várias vezes nos sucessos ‘Central do Brasil – que rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz à Fernanda Montenegro – e ‘Diários de Motocicleta’.

Adaptação fiel e inspirada/inspiradora, o filme captura a essência do vagabundo Dean Moriarty (Garret Hedlund) e como ele mudou a direção da vida de Sal Paradise (Sam Riley). O roteiro partiu do manuscrito original – divulgado apenas em 2007 – que era considerado impublicável, devido o seu conteúdo explícito e sua tentativa de vivenciar o que realmente Kerouac quis mostrar em seu livro. Assim, da edição de 1957, poucas coisas foram mudadas, como por exemplo, a denominação dada aos personagens – que antes obtinham os nomes reais: Sal Paradise/Jack Kerouac, Marylou/Luanne Henderson, Dean Moriarty/Neal Cassady, Terry/Bea Franco, Old Bull Lee/William S. Burroughs, Camille/Carolyn Cassady, Jane/Joan Vollmer e Carlo Marx/Allen Ginsberg. Essa escolha ocorreu, pois Kerouac conseguiu trazer muito mais fantasia à realidade em que vivia.

O roteirista Jose Rivera (Diários de Motocicleta) e Salles fizeram as mudanças necessárias para que o filme fosse fiel ao livro, porém prendesse a atenção do público, que em alguns momentos sente melancolia ao perceber a luta de Sal/Kerouac contra a religiosidade e a sexualidade reprimida.

Quem viu Kristen Stewart como a sem-sal Bella Swan em Crepúsculo, com certeza se surpreendeu ao ver sua interpretação como a destemida, sensual/sexual e sempre com tesão Marylou. A energia de vestir um personagem tão forte e respeitar as características da pessoa, presente no livro, é a melhor definição do papel de Stewart no filme. A montagem de Dean Moriarty, desde sua primeira cena nu até o sexo homossexual, foi muito bem interpretada por Garret Hedlund, que trouxe mais sensibilidade a um personagem citado como louco no livro, mas que possui incertezas e sentimentos sombrios.

Se em alguns momentos o espectador sente monotonia com as idas e vindas pelas estradas norte-americanas, o francês Eric Gautier (Na Natureza Selvagem, Diários de Motocicleta) prende sua atenção com uma fotografia bela e muito bem feita. A trilha sonora também anima as pessoas nas salas de cinema, com canções e melodias que faziam parte do cotidiano dos boêmios da geração beat, como o jazz e o blues.


‘On The Road’ ultrapassa a barreira do longa-metragem hollywoodiano e chega ao documentário, onde Salles soube muito bem dirigir e transportar o espectador para a vida dos maiores artistas de uma geração esquecida pela maioria.

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